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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

SONHANDO ACORDADO - Por Vinicius Galeazzi

Uma homenagem a Jacques Alfonsin, quando ele recebe a Medalha Negrinho do Pastoreio.

De repente, me flagro sonhando acordado.

Um devaneio sem rumo, como daqueles de quem não tem nada para fazer. Nada de útil, diriam. Como se sonhar acordado não fosse de uma utilidade imensa, porquanto nos exercita para o criativo e para enfrentar a luta impossível. Para chegar em segundos a resultados tão precisos e mirabolantes sonhar acordado exige do nosso cérebro uma operação neurológica complexa, sofisticada e produtiva. Numa situação semiconsciente que liga, desliga e religa fatos e ficção e nos larga solto lançante abaixo permeando imaginação e racionalidade. Sem compromisso, acordado na cama, esperando o sono ou despertado sem perceber, aí o mundo real, forte e inquebrantável se desmantela e se refaz diferente e inconsequente, como brincadeira de criança.

Pois num destes, vejo com muita clareza e convicção, minha neta Isabela, assim caminhando, meio desengonçada, com seus um ano e dois meses, de mãos dadas, meio puxando, a Gabriela, de nove meses, que já dá seus passinhos. Isabela mora na Cidade Baixa e a Gabriela na Vila União Santa Teresa, mas caminham, caem, engatinham, se levantam e vão de novo rumo ao caixão de areia do parquinho do Parque do Morro Santa Teresa. Se sentam na grama, se levantam, se equilibram e tentam, de novo, caminhar juntas e caem e tudo outra vez. Passa um velhinho de barbas brancas e lhes diz: Coragem. E como as crianças não se questionam sobre prazos, tempo, até quando, essas coisas enfim, continuam engatinhando um pouco, se levantam, andam meio escoradas uma na outra e assim vão. Enfim, sentam e começam a olhar longe, sem saber quanto são felizes de poder desfrutar aquela vista deslumbrante e gratuita, aberta a todos, de tanto céu, tanta água, tanto horizonte, tanto verde e tanta história. Tanta vida.

Pois noutro, vejo pessoas entrando apressadas em contêineres alinhados na calçada da avenida apressada. Em cada um, há um painel eletrônico onde está escrito origem e destino: Conteudor 437 rumo 533, padrão C. Uma luz acende, se ouve um sinal e a porta se fecha e logo estaciona um caminhão com grandes alças mecânicas que recolhe esse conteudor, deposita outro no lugar e leva aquele ao seu destino rapidamente.. Do conteudor recém chegado saem pessoas, enquanto se vê que, no painel, mudou a origem e o destino e outros começam a entrar. Num conteudor padrão A, onde há poltronas, venda automática de café, refrigerantes, lanches e revistas, uma pessoa lê no jornal Nova Ordem a notícia de que o Mercado, em reunião recente, decidiu aumentar o tamanho dos conteudores D, pois as estatísticas dão conta que é crescente o número dos seus usuários.


Acontece que sonhando acordado, o possível e o impossível se equilibram na mesma corda bamba. O possível é o mais forte, nos impondo o imutável e propaga que é o natural, o normal, o legal. Mas há uma coisa na gente, não sei se é o tal sentido da sobrevivência, ou o tal jus sperniandi que, mesmo sem nenhuma esperança ou possibilidade racional de êxito, faz continuar a querer um sonho impossível, movido por uma força que vem sei lá de onde. Aí vem João Cabral de Melo Neto e diz: “Muita diferença faz em se lutar com as mãos e abandoná-las para trás”. Vem mais outro que diz: Coragem.

E então a gente vai se dando conta que o mundo que temos depende de nossas escolhas, mesmo que sejam impossíveis. Lutamos pelo que sonhamos ou o Mercado se impõe implacável.






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