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segunda-feira, 24 de março de 2014

O Corredor Parque do Gasômetro e a gestão democrática da cidade


Lucimar F. Siqueira (*)

Acontece hoje às 19horas, a Audiência Pública para DEBATER o projeto "Corredor Parque do Gasômetro", conforme chamada no site da Câmara Municipal. Mais do que a implementação do parque está em pauta, também, o modelo de cidade posta para Porto Alegre.

Ambientalistas e movimentos sociais defendem a criação do Parque há vários anos conseguindo, inclusive, deixar gravado no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre - PDDUA - por ocasião da sua revisão.

O histórico sobre a mobilização em torno da criação do Parque do Gasômetro resultou em duas situações que expõem modelos distintos de cidades. A proposta inicial, nascida dos debates dos conselheiros representantes dos moradores de 19 bairros que compõe a RP1 - Região de Gestão e Planejamento 1 propõe a aproximação da população às águas, às margens do Guaíba através da interligação das praças Júlio Mesquita, Brigadeiro Sampaio e sua contiguidade à orla do Guaíba incluindo aí a Usina do Gasômetro e ponta do Cais Mauá. Simplificadamente, propõe a unificação das praças ligando-as à Usina do Gasômetro e Orla através de uma explanada de grama, conforme ilustração que traduz a idéia de seu autor (Arquiteto Rogério Dal Molin), publicada no site Porto Alegre Resiste!. Desta forma, se permitiria o fluxo contínuo e irrestrito da população ligando o Centro Histórico e ampliando a Rota de Pedestre  e ciclistas da cidade de Porto Alegre aos espaços de lazer, equipamentos culturais e esportivos instalados na orla. A alternativa ao trânsito de veículos pela Av. Edvaldo Pereira Paiva se daria pelo entrincheiramento dos carros (rebaixamento da avenida) a exemplo de outras obras que estão em curso em Porto Alegre como o caso da obra na Rua Anita Garibaldi também conhecida como a Trincheira da Anita.

Fonte: Porto Alegre Resiste
No entanto, o projeto apresentado pelo poder executivo à Câmara Municipal mostra uma outra proposta onde não há a interligação com a orla do Guaíba e exclui a ponta do Cais Mauá da área do Parque. E estas duas propostas não estão incluídas por uma razão simples: já existem obras previstas e em curso nas adjacências à área em questão que impedem a implementação plena do projeto apresentado pela população. Não pode fazer a interligação das praças à orla porque está em fase final a obra de duplicação da Evaldo Pereira Paiva. Não há possibilidade de inclusão da ponta do Cais Mauá, conforme argumenta o executivo no PLC, porque antes mesmo da Publicação da Lei Complementar nº 646/2010 (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre) já havia projeto de revitalização do Cais .

Aqui reside um dos maiores problemas de Porto Alegre atualmente. Exatamente no coração, na principal característica que faz de Porto Alegre uma referência internacional, é onde se situam as causas dos conflitos entre as propostas. Tanto o projeto do Cais Mauá quanto as obras da Edvaldo Pereira Paiva (Obra da Copa), e podemos incluir da Orla do Guaíba também, não passaram por debates públicos de forma integrada. São projetos que foram propostos, articulados e negociados sem a participação da população. Por sua vez o projeto do Parque do Gasômetro que conta com o histórico da participação popular de fato, ficou em segundo plano restando adaptações para se adequar aos projetos precedentes.

É neste ponto que se verificam os modelos de cidade em curso. Se por um lado o modelo rodoviarista da cidade se materializa na duplicação da Av. Edvaldo Pereira Paiva, isolando a população da orla, a privatização de espaços públicos se concretiza nas obras do Cais Mauá. Pressionados por essas duas obras, o Parque do Gasômetro, na forma como foi idealizado pela população, tem raríssimas chances, hoje, de ser implementado.

Do ponto de vista da gestão democrática da cidade preconizada pela Lei Federal 10.257 (Estatuto da Cidade) no Art. 2º, a realização da audiência pública de hoje poderá representar mais um espaço para o debate sobre o projeto e a aprovação de algumas emendas apresentadas. Porém, ao contrário do que diz o projeto que está na câmara municipal, não há obediência plena ao Estatuto da Cidade porque os projetos que condicionaram a proposta da prefeitura não estiveram ao alcance dos cidadãos para debate. Ainda é possível ilustrar esta afirmação considerando que o município de Porto Alegre firmou compromisso de identificar um local para a instalação do Museu das Águas ainda em 2012. No entanto, sequer é citado no contexto de discussão do Parque do Gasômetro, Cais Mauá ou revitalização da Orla do Guaíba. O mesmo vale para o caso recente em que foi preciso a sociedade civil chamar o contratado da obra da Orla do Guaíba em Audiência Pública porque o próprio poder público não foi capaz de levar o projeto definitivo para debater com a população.

No caso do Corredor Parque do Gasômetro, se fosse do interesse do poder público exercer a gestão democrática teria dado continuidade ao processo ainda no período de 18 meses após a aprovação do PDDUA como diz o Dispositivo 21 da Lei complementar 646 de 22 de julho de 2010. Ou seja, para que o artigo do Estatuto da Cidade que trata da gestão democrática fosse citado coerentemente, o Corredor Parque do Gasômetro deveria ter sido implementado ainda no final de 2011, condicionando, assim, a obra da Edvaldo Pereira Paiva e não o contrário como estamos verificando hoje.

É preciso que o poder público, tanto municipal quanto estadual, tome a atitude de, pelo menos, chamar a sociedade para debater alternativas para ATENDER ao projeto original da população e não o contrário. Não há, por exemplo, nenhum registro de audiências públicas onde os projetos do Cais Mauá, Corredor Parque do Gasômetro, Edvaldo Pereira Paiva e Orla do Guaíba tenham sido debatidos de forma integrada. Estado e município devem chamar a sociedade para debater as obras e mostrar de que forma estão dialogando entre si no espaço urbano e no território municipal e metropolitano.

Só assim a população poderá ter idéia das disputas existentes na cidade e que estão levando à enorme concentração de investimentos em determinadas áreas em detrimento de outras. Fará refletirmos, também, que é preciso mudar o perfil das audiências públicas para que sejam usadas como espaços de debates e de incidência no destino da cidade, não apenas de votação de projetos já determinados.

(*) Geógrafa, representante da AGB no Fórum Estadual de Reforma Urbana e membro da equipe do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.

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