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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Poética de resistência em Geografia (Lucimar F. Siqueira)

Resumo escrito para o EGAL 2009.


É de uso corrente o professor apresentar aos seus alunos imagens, mapas, fotografias, gravuras, textos literários ou filmes nas aulas de Geografia.  Além disso, muitos Geógrafos se debruçam sobre obras de arte, principalmente obras literárias e fotografias para buscar nelas o viés geográfico de leitura do mundo como se olhassem através de uma janela aberta pela obra. Cada escritor ou fotógrafo possibilita a abertura de infinitas janelas; cada leitor escolhe a janela que melhor lhe mostra o mundo, de acordo com seu contexto histórico-cultural, suas experiências de vida, suas memórias ou, até, seu gosto (aqui, faço referência a gosto como faculdade de discernimento do belo, conceito tratado em estética). Mas que obras são estas? Que mundo desvendam? Que Geografia se faz a partir destas leituras? Como diz JAMESON (1985) “concebemos nossa cultura ‘ocidental’ como um vasto museu imaginário no qual todas as formas de vida e todas as posições intelectuais são igualmente bem-vindas, uma ao lado da outra, desde que permaneçam acessíveis exclusivamente à contemplação”. Aqui a Geografia não fica de fora uma vez que o professor nem sempre realiza uma reflexão sobre o contexto teórico-filosófico no qual se insere a obra utilizada em suas aulas; a resposta imediata aos sentidos, a descrição, tornam- se absolutas e respondem às suas expectativas. Então, como fazer com que a “a realidade” contida na literatura e fotografia utilizadas para apreendermos Geografia transcendam à contemplação?

Buscamos em Lukács filósofo marxista que dedicou parte de sua vida às questões ligadas a estética e cultura nossos subsídios para iniciarmos a reflexão sobre literatura ligada a esta problemática. Distingue de forma contundente o “narrar’ (do realismo) e o “descrever” (do naturalismo). Coloca em posições opostas a descrição minunciosa de coisas (de Zola) à narração de acontecimentos humanos (Tolstoi), por exemplo. Citado por GAGNEBIN (1996), Lukács questiona as obras que realizam descrições ao invés de narrativas. Vê nas primeiras uma “falta de posicionamento crítico, uma acomodação profundamente reacionária sob a máscara da neutralidade científica”. Por outro lado, se coloca “em favor dos clássicos, realistas ou progressistas, que não abdicam de um projeto global de compreensão humanista do mundo e o desenvolvem em suas narrativas” (GAGNEBIN, 1996, p.94). 


Para pensar a fotografia, tomamos como referência, principalmente, os escritos de Susan SONTAG (2004), sobretudo quando se refere à preocupação contemporânea sobre a conversão do “mundo real” em um “mundo-imagem”. Desde que a fotografia foi descoberta a distinção entre a imagem e coisas reais diferenciaram-se ao longo do tempo. De acordo com a autora, quanto mais distante no passado, “menos nítida será a distinção entre imagem e as coisas reais”. Isto leva a pensar na temporalidade não apenas como contexto histórico do fato registrado na fotografia, mas, também, na forma como a fotografia é realizada. Outro caráter observado na obra de SONTAG diz respeito à fotografia como “aquisição”. Aquisição como posse vicária de outra pessoa; relação de consumo e, por último, a fotografia como informação e não como experiência. Talvez a forma mais utilizada em Geografia.
Susan Sontag por Annie Leibowitz 


Com a trajetória percorrida até aqui delineamos alguns critérios que servem como subsídios para escolha de obra literária e fotografia. Estas respostas não estão situadas apenas em relação ao contexto apresentado acima (narrativa ou descrição, fotografia como informação ou como possibilidade de análise da fragmentação espaço-temporal), mas está diretamente relacionada a quê Geografia queremos fazer. Entendemos que a escolha das obras devem partir não de uma questão de gosto mas que sejam portadoras de uma poética que desvele o mundo de forma criativa, que apresente as inquietações humanas em sua plenitude, com seus conflitos, com suas vozes e que proponha caminhos para mudança. De outra forma, é falar de uma poética de resistência.

Com estes questionamentos, procuramos traçar algumas propostas de discussão sobre a possibilidade de uma poética de resistência em Geografia. Entende-se, também, que ao escolher um texto literário ou uma fotografia para ilustrar uma aula, não se está utilizando apenas uma outra maneira de apresentar um tema para discussão em sala de aula, mas estabelecendo um importante diálogo com a filosofia, literatura e fotografia.

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