A fraqueza do gigante
por David Harvey [*]
entrevistado por Veronica Gago
—Onde está a fraqueza estadunidense? Como se relaciona com a actual situação do dólar?
—Os Estados Unidos e as suas corporações já não dominam no mundo da produção. Um exemplo: os EUA têm apenas das dez indústrias automobilísticas líderes mundiais e ambas – Ford e General Motors – estão com profundas dificuldades económicas. Os EUA continua a dominar nuns poucos sectores, como o dos agronegócios – fortemente subsidiado pelo governo, violando as regras da OMC – e algumas áreas de alta tecnologia, vinculadas principalmente ao complexo industrial militar. Dominou no reino das finanças até meados dos anos noventa, mas agora pedem emprestado a um ritmo de 2 mil milhões de dólares por dia, sobretudo aos bancos centrais do extremo oriente, para financiar o endividamento do Estado e do consumo. O mercado estadunidense ainda é enorme e os EUA costumam utilizá-lo como uma arma nas negociações internacionais, mas muitos países estão a reorientar seu comércio em direcção aos mercados da China e da Índia, que se expandem velozmente.
—É então uma situação ambivalente?
—Isso não implica esquecer que os Estados Unidos ainda têm um voto dominante em organizações internacionais como o FMI, e Wall Street ainda é um grande mediador nos mercados de capitais globais (cada vez mais a manejar fundos estrangeiros que podem ser facilmente diversificados em outras partes). Mas se militarmente os EUA dominam o poder de destruição de alta tecnologia, estamos a ver que no Iraque e no Afeganistão falha na hora de dominar o terreno. O que quero dizer é que os EUA são cada vez mais um gigante débil e suas políticas situam-se no centro da instabilidade económica global. Um resultado disto é a considerável volatilidade do valor do dólar. Mas não nos equivoquemos: a tendência a longo prazo é para a baixa e continuará neste sentido a menos que os EUA elevem suas taxas de juros internas, o que pode desencadear uma recessão dentro do país, e ninguém quer isto devido às suas consequências globais.
—O que indica a oscilação de preços das matérias-primas e do petróleo?
—A tendência geral de todos os preços das matérias-primas, incluindo o petróleo, foi para a subida nos últimos anos, o que se deve fundamentalmente à forte procura da China e da Índia. Isto beneficiou os produtores de matérias-primas: os altos preços do cobre ajudaram o Chile e as compras de soja favoreceram a Argentina. No caso do petróleo, seu preço também foi afectado por outros factores especiais: a guerra no Iraque, a lutas políticas na Nigéria e os problemas com o Irão. Mas as notícias positivas nas matérias-primas também geraram muita especulação quanto ao que se passará no futuro, seus preços e os investimentos nos mercados emergentes de países produtores de matérias-primas. Esta borbulha especulativa rebentou há pouco, provocando uma queda repentina, mas esta não é a tendência a longo prazo. Se os preços continuarão a subir ou não depende da força da procura de países como a Índia e a China.
"ACUMULAÇÃO POR DESPOSSESSÃO"
—Ao explicar o seu conceito de "acumulação por despossessão" apresentou como exemplo a Argentina. Por que?
—Quando uso a expressão "acumulação por despossessão" refiro-me ao comportamento predatório das elites político-económicas que lhes permite aumentar seus benefícios a expensas dos pobres e das camadas médias. Implica um núcleo de práticas favoráveis ao desmantelamento de direitos através de privatizações, da abolição de programas sociais, da desvalorização periódica de activos, etc. Encontro muitos exemplos deste processo na história recente da Argentina. A desvalorização do peso em 2002 implicou efectivamente o roubo de quase 12 mil milhões de dólares das contas dos argentinos. Para onde foram esses 12 mil milhões de dólares? Aqueles que sacaram seus dólares antes de Novembro de 2001, que os levaram para Miami e que os trouxeram de volta em Maço de 2002 triplicaram seus benefícios. É aí que foram parar esses 12 mil milhões?
—Descreve os organismos internacionais como garantes dos centros de acumulação. Qual o impacto de países como a Argentina e o Brasil pagarem sua dívida com o FMI?
—A antecipação do pagamento da dívida ao FMI por parte do Brasil e da Argentina tem um duplo significado. Por um lado, liberta os governos da degradante supervisão reguladora do FMI e, por outro, permite a exploração de uma variedade de políticas económicas. Mas simboliza também a forma como se culpa o FMI pelos efeitos políticos da acumulação por despossessão quando as elites politico-económicas do país também têm uma grande responsabilidade pelo que se passou nos anos de crise. Talvez o próximo passo seja devolver às pessoas os 12 mil milhões de dólares que perderam com a desvalorização!
—O que tem de "novo" o imperialismo actual?
—O “novo” imperialismo criado ao longo dos últimos 30 anos combina uma viragem radical em direcção ao neoliberalismo de livre mercado – agora resistido em toda a América Latina mas cada vez mais reforçado através de instituições internacionais como o FMI e a OMC – com os métodos imperialistas tradicionais dos Estados Unidos, de romper todas as barreiras geográficas a favor da mobilidade do capital das corporações desse país através de todo tipo de meios. A contradição reside em que não são só as corporações estadunidenses os que se podem beneficiar de um sistema de livre mercado, e que o que começou por ser uma estratégia para consolidar o domínio estadunidense converte-se agora num meio para afundá-lo.
—Qual é o papel da Venezuela neste cenário?
—Paradoxalmente, a invasão de Bush do Iraque e a consequente subida do preço do petróleo ajudou muitíssimo Chávez, e ele utilizou estes recursos monetários para consolidar seu poder internamente e para construir alianças com os governos progressistas da América Latina e inclusive para além deles. Chávez, portanto, tem um interesse pessoal em manter altos os preços do petróleo. Agrada-me o facto de que forneça calefacção barata à população empobrecida do Bronx, na cidade de Nova York.[*] Geógrafo e urbanista britânico. Seu último livro é dedicado à análise das novas formas do imperialismo. Ver nota sobre Harvey emhttp://en.wikipedia.org/wiki/David_Harvey_(geographer)
Obras de David Harvey em português:
"O Novo Imperialismo", Edições Loyola , S. Paulo, 2004, 208 pgs., ISBN 8515029715
Condição Pós-moderna. Edições Loyola, S. Paulo, 1993, 352 pgs., ISBN 8515006790.
Espaços de Esperança, Edições Loyola, S. Paulo, 2004, 384 pgs., ISBN 8515029723
A produção capitalista do espaço, Editora Annablume , S. Paulo, 2005, 251 pgs., ISBN 8574194964
O original encontra-se no semanário uruguaio Brecha , de 16/Junho/06
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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