A ciclovia está sendo implantada como contrapartida aos acessos ao shopping wallig realizado pela prefeitura. O dinheiro público corre por uma mão para ajudar a empresa privada enquanto a população fica dependendo de favor do IAB para melhorar o projeto da ciclovia. Porto Alegre, 12 de janeiro de 2012!!
Leia abaixo a publicação do Bike is Beautiful.
É o enjambration-tion!
Bota a mão na cabeça que vai começaaaaar: O enjambration-tion! O enjambration!
Me perdoem a piada infame, mas enjambração é o termo mais adequado para descrever a mais nova ideia de jerico na obra da ciclovia da Ipiranga. Depois dapolêmica pela via ficar embaixo de uma linha de alta tensão e em cima de uma tubulação de gás natural, agora a discussão é em torno da proteção que será instalada ao lado do trajeto. O guarda-corpo, como é tecnicamente chamado, é para evitar que ciclistas banquem o Werner Schünemann e resolvam se refrescar involuntariamente nas límpidas e cristalinas águas do Arroio Dilúvio, particularmente nos trechos em que a distância entre a ciclovia e a margem do talude for menor do que 1,5 metro.
Inicialmente, a opção seria de colocar um guard-rail metálico no local. A CEEE rechaçou a alternativa, já que o metal poderia provocar indução de energia, pela proximidade da rede de alta tensão. Quanto a esse risco, é estranho que nunca se falou que outras estruturas metálicas ao longo da avenida, como a passarela da PUC e até mesmo guard-rails (perto da esquina com a Silva Só, na frente do McDonald’s e na esquina com a Princesa Isabel, perto da passarela do Zaffari) tivessem o mesmo perigo. Aliás, se uma proteção de metal é perigosa, então será que os carros que passam ali do ladinho também não oferecem (ou correm) os mesmos riscos? Descartado o metal, se cogitou também o uso do concreto, que foi deixado de lado por “limitações de segurança e estéticas”, e o plástico, que sairia caro demais.
A solução encontrada foi a pior possível. Uma cerca feita de toras de eucalipto de reflorestamento. A engenheira Lisandra Limas, responsável pelo projeto, defendeu que “em termos técnicos, ficou perfeito”. Confesso que não vi o projeto, mas algumas coisas já são óbvias: como serão colocadas justamente nos trechos onde a distância entre a via e o talude é pequena, então as toras ficarão próximas ao meio-fio da ciclovia. Como a via tem duas mãos, é bem plausível que quando um ciclista for passar por outro, a ponta do guidão de um deles enrosque em uma das toras que estão na vertical, causando acidentes. Mas mesmo que a segurança esteja garantida, há outra questão: aquela cerca é uma coisa horrorosa, e absolutamente incompatível com qualquer ideia de planejamento urbanístico daquela região da cidade. Digamos que na frente do CTG 35, ou ali pelo Parque Harmonia uma intervenção assim seria tolerável, por remeter a uma paisagem da Campanha, como uma mangueira de gado.Mas só ali.
Da maneira como foi feita, a cerca tem uma aparência muito clara de enjambração, uma coisa mal planejada, feita de um jeito meia-boca e que tem tudo para dar errado e virar piada, pra depois o poder público ter que refazer tudo de novo, como tem sido cada vez mais habitual nesta cidade. (Poderíamos citar aqui, por exemplo, casos como o do Viaduto Leonel Brizola, que tem um semáforo embaixo, ou das ciclovias também enjambradas da Restinga e da Diario de Notícias, mas vamos manter o foco…) A própria escolha do talude como local para implantação da ciclovia está errada desde o início: foi definido que ela ficasse ali simplesmente porque aquele local antes era uma “terra de ninguém”, que nem calçada tinha. Ou seja, não se tiraria nem um centímetro quadrado do sagrado espaço dos carros, ao se construir uma ciclovia demagógica como essa.
Na Ipiranga, que é uma via de grande fluxo, a ciclovia deveria ser construída pela direita, entre a faixa de trânsito mais lento e a calçada. Ali, com um espaço segregado e exclusivo, as bicicletas andariam próximas aos veículos de velocidade mais baixa, proporcionando maior segurança e moderação do tráfego (e nem estaríamos falando de cerca de madeira neste momento). Além disso, boa parte dos deslocamentos naquela avenida são relativamente curtos. Então, uma pessoa que venha, digamos, da esquina com a Erico Verissimo para ir até o Hospital Ernesto Dornelles, por exemplo, dificilmente irá atravessar a Ipiranga para ir até a ciclovia, pedalar por ela e depois atravessar de volta na faixa de pedestres daquela esquina e retornar no sentido bairro-centro pela calçada dali até a entrada do hospital. Pelo contrário: a tendência é que o ciclista simplesmente se mantenha pela calçada, ignorando a ciclovia.
Outro motivo para trazer o fluxo de bicicletas para próximo à calçada é o impacto positivo para o comércio de rua da região. Quem passa de carro na frente de uma loja de rua na maioria das vezes nem a percebe. E se perceber, ou é proibido estacionar ou não encontrará uma vaga. Já os ciclistas que trafegam por vias contíguas ao tráfego de carros têm propensão muito maior a parar em uma banca de jornais, para tomar um café ou mesmo para experimentar uma roupa que viu numa vitrine. Com a ciclovia espremida entre a faixa de maior velocidade e o arroio, o impacto no comércio e mesmo na humanização da região será praticamente nulo.
O trecho que está sendo executado, entre a Erico Verissimo e a Azenha, equivale a menos de 5% do percurso total da via. E já tivemos os problemas da rede de alta tensão, do gás natural e agora da cerca de madeira. Pela ritmo da carruagem, ainda veremos mais uns vinte ou trinta problemas como esses. Claro que a ciclovia é uma coisa nova e seria ingênuo achar que não haveria problema nenhum. Mas convenhamos que uma ciclovia ali é um enjambre, que vai precisar de uma cerca enjambrada, e sabe-se lá quais outras enjambrações que vão ter que ser feitas para corrigir os erros da falta de um projeto abrangente e cuidadoso feito desde o início para a Ipiranga e o Arroio Dilúvio.
Tanto se falou do Cais Mauá, depois da orla do Guaíba, tantos milhões, tanto investimento privado e público, tanta pompa e circunstância… E a Ipiranga, que é uma das vias mais centrais da cidade, fica a mercê, na base do puxadinho, do remendo e da improvisação. Aliás, tem também um projeto da prefeitura depromover a grafitagem nas placas de concreto ao longo de toda a extensão do arroio. Independentemente de concordar ou não com essa prática —cujas definições vão desde arte urbana até vandalismo— essa iniciativa revela na prática a ausência de um projeto urbanístico amplo, integrado e cuidadoso para toda a extensão da Ipiranga e o Arroio Dilúvio. A bem da verdade: foi assinado recentemente umprotocolo de cooperação entre UFRGS e PUC para estudar a possível revitalização do Arroio, tendo o caso do rio Cheon Gye Chon, em Seul (Coréia do Sul) como inspiração. No ano passado, correu as redes sociais o vídeo Mensagem do Futuro, onde se mostra como poderia ser o Dilúvio revitalizado. Mas isso ainda parece estar longe, infelizmente.
Enquanto não nos convencemos a devolver a cidade às pessoas, como foi feito por lá, pelos menos poderiam pensar um pouco mais no bendito guarda-corpo. É inacreditável que aquela seja a única solução possível. Eu nem sou da área, mas uma pesquisa rápida em fotos disponíveis pela internet mostra dezenas de outras possibilidades, dentre as quais talvez uma cerca viva fosse esteticamente bem mais adequada. “Ah, mas daí tem que fazer manutenção, cuidar, podar…”, alguém vai dizer. Mas é claro que tem que cuidar! Ou essa história de “Eu curto, eu cuido” é só frase de efeito? Aliás, não sei vocês, mas eu sou muito mais uma prefeitura gastar o nosso dinheiro público cuidando da cidade do que dizendo que cuida.
Pra finalizar, e pra ninguém aí dizer que eu só critico, aí vão algumas ideias, que evidentemente deveriam ser adaptadas para as dimensões corretas. Nem todas são de mobiliário urbano propriamente dito, mas servem de inspiração, caso alguém resolva pensar um pouco mais antes de bater o martelo.
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