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sábado, 4 de janeiro de 2014

O Grêmio e os pedágios

Fonte: Sul21.

Apesar de ter conquistado o vice-campeonato brasileiro, com uma campanha de rara regularidade, tendo permanecido dezoito rodadas entre os quatro primeiros colocados e obtido a vaga direta para a Libertadores da América, os dirigentes e a torcida do Grêmio não conseguiram comemorar animadamente este feito. É certo que muitos poderão afirmar que a pouca beleza plástica do futebol apresentado é que encerra a questão, mas a tradição do tricolor gaúcho nunca foi a de ganhar com beleza. Para o bem, ou para o mal, a autoimagem que satisfaz os gremistas tem mais relação com a heroica viagem de Ulisses do que com um passeio ao paraíso artificial de Dubai, ou com campeonatos invictos. A identidade das nossas vitórias sempre foi construída mais por jogadores de pegada como o Dinho, do que com a classe do Falcão.
Se não é a qualidade plástica do futebol apresentado em campo, o que explica que não tenhamos comemorado com entusiasmo a conquista de vice-campeonato brasileiro? Arrisco afirmar que as razões podem ser encontradas fora de campo. Desde a posse do presidente Fábio Koff e da sua diretoria, uma caixa de pandora foi aberta e os inúmeros males que vinham sendo feitos contra o clube passaram a ser conhecidos, criando uma atmosfera de grande preocupação com o próprio futuro de Grêmio.
O Contrato da Arena
Desde que assumiu a presidência, vencendo uma disputa com o candidato à reeleição, Paulo Odone, por larga margem, as preocupações da nova diretoria tiveram que ser divididas entre as questões do futebol, com as relativas ao contrato do Grêmio com a OAS/Arena. Não é para menos. Quanto mais luz os termos do contrato vão ganhando, mais a sua natureza perversa para os interesses do clube vão se apresentando.
Pelos seus termos, o Grêmio deveria pagar anualmente cerca de R$ 43 milhões para OAS para utilização da Arena pelos sócios do clube, o que agravaria ainda mais o déficit gremista, que neste ano chegou a cerca de R$ 90 milhões, decorrente sobretudo do custo financeiro de dívidas assumidas por gestões anteriores e da privação da receita decorrente da bilheteria dos jogos, que neste ano (2013), já foi inteiramente arrecadada pela Arena. Isto levou o seu Conselho de Administração concluir que, caso o contrato vigente seja mantido, o clube se inviabilizará financeiramente, entre outras coisas, pelo elevado comprometimento da receita do Quadro Social. Além disto, nos próximos vinte anos, OAS receberá as receitas de exploração dos espaços da Arena: bilheteria de jogos, de shows artísticos, espaços para veiculação de propaganda, aluguel de áreas para os mais diversos fins. Ou seja, o Grêmio estará privado de toda a receita de bilheteria e, nos primeiros oito anos, enquanto estiver sendo pago o financiamento da obra, não deverá receber um real sequer da Arena! A OAS, ainda, terá como garantia para eventuais atrasos de pagamento as cotas de tevê do clube, além de indicar três dos cinco membros do Conselho de Administração, o que assegura para a empreiteira a maioria em qualquer decisão.
Na medida em que é ampliado o conhecimento público sobre este contrato draconiano, que coloca uma camisa de força no futuro do Grêmio, o tom do debate esquenta. Em entrevista em rádios e jornais, o atual e o ex-presidente apresentaram as suas compreensões amplamente divergentes sobre o contrato. Koff, um homem experiente e um ícone de administração esportiva e conquistas, disse o seguinte sobre as posições de Odone sobre o tema: “Pensei que já tivesse ouvido tudo na minha vida. Mas um ex-presidente do Grêmio tomar posição contra a administração e assumir a parte de uma empresa, eu nunca vi”, logo depois ampliou ainda mais suas críticas ao questionar as motivações que permitiram assinar um contrato que, segundo ele, beneficiou amplamente a OAS em detrimento do Grêmio: “Nunca vi uma coisa dessas. Nenhum contrato no Brasil foi feito dessa maneira”. Em resposta, Odone mais falou sobre o clube dos 13 do que foi capaz de apresentar argumentos que refutassem a definição do contrato, por ele assinado, como nefasto ao clube e amigável à empreiteira. Vejamos, “ele atribui a mim a liquidação do contrato do Clube dos Treze. Quem fez não fui eu, foram os 20 clubes brasileiros…”. Quanto a afirmação de Koff sobre a utilização que Odone faz do Grêmio para ganhar força política, o ex-presidente afirmou que “jamais permitiria que usassem o Grêmio politicamente. Não confundo questões partidárias com questões do clube …” e foi ainda mais incisivo, “duvido alguém mostrar que usei o Grêmio. Presidente, recolha-se para casa e vá pensar na sua vida ética e me deixe com a minha”, disparou.
No entanto, não demorou muito tempo para que reportagem de Zero Hora mostrasse que a administração de Odone destinou mais de R$ 1,1 milhão dos cofres do clube para as torcidas organizadas, dos quais 85% para a Geral. Tudo isto de janeiro/2011 a dezembro/2012, sem que houvesse qualquer exigência de prestação de contas. Compra de apoio? Não, apenas retribuição pelos relevantes serviços prestados, um para o outro. A inexplicável hostilidade sofrida por Koff dentro do Olímpico durante o processo eleitoral apenas neste contexto pode ser compreendida.
Desnecessário falar no aditivo ao contrato assinado no final de dezembro passado, que alterou os termos do contrato que já havia sido submetido e aprovado pelo Conselho Deliberativo e, tampouco, da desoneração de execução das obras viárias e outras contrapartidas que deveriam ser feitas pelo empreendedor e, agora, são cobradas dos cofres públicos.
Pedágios
Quando o governador Tarso Genro simbolicamente levantou a cancela da praça de pedágio de Farroupilha, na ERS 122, um longo ciclo de 15 anos chegava ao fim. Em abril de 1998, o então governador Antônio Britto deu início a contratos que concederam inúmeras rodovias para empresas privadas que ganharam o direito de cobrar pedágios, sem que seus contratos exigissem mais do que manutenção e pequenas obras, modelo que, segundo Luiz Afonso Senna, PhD em Transportes, é “típico de estradas com tráfego limitado”. Apesar dos contratos não preverem a duplicação das estradas e outras melhorias estruturais, asseguravam para as empresas concessionárias taxas de retorno de 25%. Contratos nestes termos, que claramente beneficiam apenas um dos contratantes, estão fadados a ser objeto de grande polêmica. E foram, tal como está acontecendo com o da Arena.
Mas apesar de toda a controvérsia que eles suscitaram e da derrota de Britto na sua tentativa de reeleição, as investidas do seu sucessor, o governador Olívio Dutra, para rediscutir os termos dos contratos e torná-los menos nocivos aos interesses do Estado tiveram muito pouco sucesso. Ao menos, a ação do novo governo evitou que o prejuízo para o Estado fosse ampliado. O projeto do “Polão”, que previa a instalação imediata de quatro praças de pedágio – no Scharlau, na Tabaí-Canoas, na BR 116 à altura do Zoológico e na RS 118 em direção ao Vale do Gravataí – foi cancelado, tal como o Polo de Pedágios previsto entre Pelotas/Santa Maria. No governo de Olívio Dutra, assim, deixaram de ser instalados dois “Polos” e cerca de quatorze novas praças de Pedágio, que estavam previstas no projeto de Britto para as estradas gaúchas.
Os contratos feitos com as concessionárias, tal como o feito com a OAS, eram draconianos, mas bem amarrados juridicamente. Feitos para dar amplas garantias de que a mudança do comando político do Estado, assim como na direção do Grêmio, não afetariam as extraordinárias vantagens para as concessionárias e para a OASS, respectivamente. Com a vitória de Yeda Crusius houve a tentativa de antecipar a renovação dos contratos, talvez prevendo sua derrota para Tarso Genro. O argumento utilizado foi o de que esta seria a única forma de assegurar a duplicação das pistas. O que pode ser compreendido também como uma demonstração de que as empresas podiam e deviam ter mais contrapartidas do que os contratos previam.
Esses contratos eram tão amplamente favoráveis às concessionárias que estas chegaram, na eminência de verem suas concessões não renovadas, a apresentar proposta ao governo de redução das tarifas cobradas, mesmo que tivessem passado todo o tempo afirmando que havia um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos e, portanto, elas estivessem acumulando prejuízos. Um acinte!
Conclusão
Bueno, qual afinal a relação entre os Pedágios e a Arena? Acho que são muitas e, ainda, há um personagem que cumpriu papel destacado em ambos os nefastos processos. Os dois contratos são amplamente contrários aos interesses das instituições Estado do RS e Grêmio Portoalegrense e, por conseguinte, benéficos para as empresas com as quais foram feitos. Enquanto o contrato dos pedágios não previa melhorias estruturais e assegurava uma remuneração de dar inveja ao mais eficiente empreendedor capitalista (ao menos 25%), o contrato da Arena assegura amplas garantias para a OAS, em detrimento dos interesses do Grêmio. As empresas concessionárias não precisavam dar contrapartidas minimamente adequadas ao seu lucro, enquanto as obras no entorno da Arena, que sob qualquer aspecto deviam ser obrigação do empreendedor, simplesmente foram transferidas o poder público. Os dois contratos invadem o futuro e são muito bem amarrados juridicamente para evitar que novos governantes e direções revisem suas cláusulas perversas.
Assim como o presidente Fábio Koff e sua diretoria tiveram que passar o ano em intensas e ainda não bem resolvidas negociações para aliviar os aspectos amplamente negativos ao clube do contrato com a OAS, o ex-governador Olívio Dutra e o atual, Tarso Genro, tiveram inúmeras dificuldades para alterar alguns dos aspectos nefastos ao Estado dos contratos feitos com as concessionárias. Qual a figura que protagonizou as duas situações, senão Paulo Odone, que foi líder do governo de Britto na Assembléia Legislativa e ocupava lugar de destaque nas decisões tomadas naquela época e também no governo de Yeda, que quis antecipar a renovação dos contratos de pedágios? Lembram que Odone é tão ligado ao ex-governador Britto que sonhou em colocá-lo como presidente do Grêmio, sem qualquer preocupação quanto ao pesadelo que isto seria para os gremistas.
Olívio Dutra e Tarso Genro sempre afirmaram que os contratos de pedágios eram perversos para o Estado, assim como Fábio Koff tem afirmado o mesmo em relação ao contrato com a OAS. Enquanto isto, Paulo Odone afirma que um e outro sempre foram vantajosos. A questão que fica é: para quem? Odone é líder remanescente de um projeto que mesmo tendo sido derrotado diferentes vezes nas urnas, tanto no Estado quanto no futebol, consegue fazer impor imensas dificuldades para os seus sucessores, utilizando-se do mesmo método: assinar contratos draconianos para as instituições cujos interesses deveria zelar.
Gerson Almeida é sociólogo


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