Lucimar F. Siqueira (*)
Acontece
hoje às 19horas, a Audiência Pública para DEBATER o projeto
"Corredor Parque do Gasômetro",
conforme chamada no site da Câmara Municipal.
Mais do que a implementação do parque está em pauta,
também, o modelo de cidade posta para Porto Alegre.
Ambientalistas
e movimentos sociais defendem a criação do Parque há vários anos
conseguindo, inclusive, deixar gravado no Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre - PDDUA - por
ocasião da sua revisão.
O
histórico sobre a mobilização em torno da criação do Parque do
Gasômetro resultou em duas situações que expõem modelos distintos
de cidades. A proposta inicial, nascida dos debates dos conselheiros
representantes dos moradores de 19 bairros que compõe a RP1 -
Região de Gestão e Planejamento 1 propõe a aproximação da população às águas, às margens do
Guaíba através da interligação das praças Júlio Mesquita,
Brigadeiro Sampaio e sua contiguidade à orla do Guaíba incluindo aí
a Usina do Gasômetro e ponta do Cais Mauá. Simplificadamente,
propõe a unificação das praças ligando-as à Usina do Gasômetro
e Orla através de uma explanada de grama, conforme ilustração que
traduz a idéia de seu autor (Arquiteto Rogério
Dal Molin), publicada no site
Porto Alegre Resiste!.
Desta forma, se permitiria o fluxo contínuo e irrestrito da
população ligando o Centro Histórico e ampliando a Rota de
Pedestre e ciclistas da cidade de Porto Alegre aos espaços
de lazer, equipamentos culturais e esportivos instalados na orla. A
alternativa ao trânsito de veículos pela Av. Edvaldo Pereira Paiva
se daria pelo entrincheiramento dos carros (rebaixamento da avenida)
a exemplo de outras obras que estão em curso em Porto Alegre como o
caso da obra na Rua Anita Garibaldi também conhecida como a
Trincheira da Anita.
Fonte: Porto Alegre Resiste. |
No
entanto, o projeto apresentado pelo poder executivo à Câmara
Municipal mostra uma outra proposta onde não há a interligação com a orla
do Guaíba e exclui a ponta do Cais Mauá da área do Parque. E estas
duas propostas não estão incluídas por uma razão simples: já
existem obras previstas e em curso nas adjacências à área em
questão que impedem a implementação plena do projeto apresentado
pela população. Não pode fazer a interligação das praças à
orla porque está em fase final a obra de duplicação da Evaldo
Pereira Paiva. Não há possibilidade de inclusão da ponta do Cais
Mauá, conforme argumenta o executivo no PLC,
porque antes mesmo da Publicação da Lei Complementar nº 646/2010
(Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre)
já havia projeto de revitalização do Cais .
Aqui
reside um dos maiores problemas de Porto Alegre atualmente.
Exatamente no coração, na principal característica que faz de
Porto Alegre uma referência internacional, é onde se situam as
causas dos conflitos entre as propostas. Tanto o projeto do Cais Mauá
quanto as obras da Edvaldo Pereira Paiva (Obra da Copa), e podemos
incluir da Orla do Guaíba também, não passaram por debates
públicos de forma integrada. São projetos que foram propostos,
articulados e negociados sem a participação da população. Por sua
vez o projeto do Parque do Gasômetro que conta com o histórico da
participação popular de fato, ficou em segundo plano restando
adaptações para se adequar aos projetos precedentes.
É
neste ponto que se verificam os modelos de cidade em curso. Se por um lado o
modelo rodoviarista da cidade se materializa na duplicação da Av.
Edvaldo Pereira Paiva, isolando a população da orla, a
privatização de espaços públicos se concretiza nas obras do Cais
Mauá. Pressionados por essas duas obras, o Parque do Gasômetro, na
forma como foi idealizado pela população, tem raríssimas chances,
hoje, de ser implementado.
Do
ponto de vista da gestão democrática da cidade preconizada pela Lei Federal 10.257 (Estatuto da Cidade) no Art. 2º, a
realização da audiência pública de hoje poderá representar mais um
espaço para o debate sobre o projeto e a aprovação de algumas
emendas apresentadas. Porém, ao contrário do que diz o projeto que
está na câmara municipal, não há obediência plena ao Estatuto da
Cidade porque os projetos que condicionaram a proposta da prefeitura
não estiveram ao alcance dos cidadãos para debate. Ainda é
possível ilustrar esta afirmação considerando que o município de
Porto Alegre firmou compromisso de identificar um local para a
instalação do Museu das Águas ainda em 2012.
No entanto, sequer é citado no contexto de discussão do Parque do
Gasômetro, Cais Mauá ou revitalização da Orla do Guaíba. O mesmo
vale para o caso recente em que foi preciso a sociedade civil chamar o contratado da obra da Orla do Guaíba em
Audiência Pública porque o próprio poder público não foi capaz
de levar o projeto definitivo para debater com a população.
No
caso do Corredor Parque do Gasômetro, se fosse do interesse do poder
público exercer a gestão democrática teria dado continuidade ao
processo ainda no período de 18 meses após a aprovação do PDDUA
como diz o Dispositivo 21 da Lei complementar 646 de 22 de julho de
2010. Ou seja, para que o artigo do Estatuto da Cidade que trata da
gestão democrática fosse citado coerentemente, o Corredor Parque do
Gasômetro deveria ter sido implementado ainda no final de 2011,
condicionando, assim, a obra da Edvaldo Pereira Paiva e não o
contrário como estamos verificando hoje.
É
preciso que o poder público, tanto municipal quanto estadual, tome a
atitude de, pelo menos, chamar a sociedade para debater alternativas
para ATENDER ao projeto original da população e não o contrário.
Não há, por exemplo, nenhum registro de audiências públicas onde
os projetos do Cais Mauá, Corredor Parque do Gasômetro, Edvaldo
Pereira Paiva e Orla do Guaíba tenham sido debatidos de forma
integrada. Estado e município devem chamar a sociedade para debater
as obras e mostrar de que forma estão dialogando entre si no espaço
urbano e no território municipal e metropolitano.
Só
assim a população poderá ter idéia das disputas existentes na
cidade e que estão levando à enorme concentração de investimentos
em determinadas áreas em detrimento de outras. Fará refletirmos,
também, que é preciso mudar o perfil das audiências públicas
para que sejam usadas como espaços de debates e de incidência no
destino da cidade, não apenas de votação de projetos já
determinados.
(*) Geógrafa, representante da AGB no Fórum Estadual de Reforma Urbana e membro da equipe do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.
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