Fonte: Sul21
Por Paulo Muzell
Neste primeiro semestre de 2015 voltaram ao noticiário dois controvertidos projetos da cidade. O mais antigo é o do Cais Mauá, que data do distante ano de 1995, início do governo Brito. Seu esboço de anteprojeto não “saiu do papel” e só foi retomado muito anos depois, no governo Yeda (2007/2010) que também não soube desatar os “nós” que impediram a assinatura do contrato com o consórcio de empresas interessadas na sua implementação. Tarso Genro finalmente conseguiu, já em meados de 2011, firmar o contrato de concessão da área, depois de acertar com a ANTAQ, Agência Nacional de Transportes Aquaviários a retirada de uma ação que impedia o acordo.
Nos quatro anos seguintes o projeto novamente “dormitou”: as empresas concessionárias não conseguiram aportar os recursos necessários para implementá-lo, hoje estimados em cerca de 700 milhões de reais. Apesar do considerável atraso no cronograma, que configurou claramente descumprimento do contrato, o poder público não encaminhou sua rescisão, evidenciando o cuidado que tem em preservar os interesses dos setores da construção civil e imobiliários da cidade. O que se tem a lastimar é que o cidadão comum, o eleitor e a comunidade, como se sabe, não são tratados com a mesma atenção e carinho. O projeto é polêmico porque privatiza o uso de áreas públicas e propõe empreendimentos de grande porte – torre de 100 metros de altura, shopping center (junto à Usina do Gasômetro!), centro de convenções, restaurantes, hotel de luxo e um sem número de lojas comerciais, aumento de índices construtivos para incentivar o adensamento (uso residencial) e um estacionamento subterrâneo para 2.400 veículos – na ponta do “funil” que é a zona centro, área já excessivamente conflagrada. Tudo isso se tornou possível porque a Prefeitura elaborou, aprovou e sancionou a Lei Complementar nº 04 de 2009 que modificou radicalmente o regime urbanístico da área. Há, também, a previsão de algumas atrações turísticas que beiram o extravagante tais como uma mega-super roda gigante, um ônibus anfíbio e uma plataforma para helicópteros.
A Prefeitura cometeu uma imprudência ao aprovar alterações do plano diretor, que resultarão num significativo aumento do fluxo de veículos e de pessoas, sem definir as obras viárias que deverão ser feitas para assegurar a acessibilidade à área. Se omitiu ao não definir e nem exigir previamente as contrapartidas do empreendedor.
Há alguns anos organizou-se e tomou forma um movimento que já conta com amplo apoio comunitário denominado coletivo “Cais Mauá Para Todos”. Seus integrantes acusam o poder público de ceder um espaço nobre e histórico da cidade à iniciativa privada, incentivando um processo de transformação que beneficia a população de maior poder aquisitivo, desrespeita e agride seu patrimônio histórico e ambiental. Os grandes empreendimentos – shoppings centers hotéis e restaurantes de luxo, centros de convenções, dentre outros -, valorizam o espaço, expulsando a população mais pobre. O movimento acusa o poder público de não ouvir a população, de apresentar uma proposta elitista sob o frágil argumento de que se trata de uma área nobre atualmente ociosa, sem uso e que por isso, “qualquer coisa é melhor do que nada”. Em abril foi apresentado o estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) com previsão de início das obras em 2016.
O polêmico projeto do Cais Mauá ressurgiu neste primeiro semestre de 2015 e não veio sozinho. Também depois de um bom tempo dormitando o não menos polêmico projeto Pontal do Estaleiro “ressuscitou das trevas”. A frase me evoca os velhos filmes de terrror da Hammer Production, que eu assistia lá nos idos do final anos cinquenta, protagonizados por Peter Cushing e Cristopher Lee.
A história do Pontal é mais recente, começa lá em 2008, ano da falência do Estaleiro Só. A área que é de marinha e que só poderia ser utilizada para estaleiro, teve aprovada lei que autorizou sua venda para que fossem apurados recursos necessários à quitação do passivo trabalhista. Foi assim privatizada uma área pública. O comprador – beneficiado por um posterior aumento de índices construtivos – apresentou projeto de urbanização prevendo uso comercial e residencial. Consulta popular realizada em 2009 vedou habitações o que obrigou os empreendedores a reformular o projeto original. Um novo projeto foi reapresentado somente em 2014 e prevê duas torres de 80 metros (22 andares) para escritórios, uma grande loja âncora, cinemas, dentre outras atividades. O Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) já foi elaborado e entregue a Prefeitura. O projeto tem forte oposição de entidades da sociedade civil (IAB, Agapan, dentre outras) que lutam contra o processo da privatização da Orla do Guaíba. Se “O Cais do Porto é Para Todos”, o Pontal do Estaleiro também é.
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