Moradores de bairro da cidade de Burgos se organizaram contra construção de bulevar
Gamonal, o mais populoso bairro da histórica cidade de Burgos, antiga capital do Reino de Castela, tem sido sacudido por grandes manifestações reprimidas com extrema violência pela polícia.
Ha pelo menos uma semana o bairro de Gamonal tem resistido à tentativa do prefeito da cidade, Javier Lacalle, do governista PP, de restringir a passagem e o estacionamento de carros em uma das principais vias do bairro, a Rua Vitoria, e de construir um bulevar com um estacionamento, pago, no subsolo. Vizinhos do bairro reclamam que não houve qualquer diálogo com a comunidade que não aceita ser forçada a pagar por um serviço - estacionamento - que hoje tem de graça.
Leia mais: Arquivo Britânico digitaliza mais de 1,5 milhão de documentos da 1ª Guerra
O estacionamento a ser construído no subterrâneo, acusam os cidadãos do bairro, seria ainda privatizado.
Agência Efe
Imagem de assembleia dos moradores de Gamonal na última segunda-feira (13/01)
O estopim para as manifestações, a questão do estacionamento, porém, traz a tona outros problemas sociais da cidade e mesmo de toda a Espanha: O uso indiscriminado de dinheiro público em obras consideradas inúteis ou ao menos supérfluas, sem nenhum diálogo com a sociedade, ao invés do gasto em obras sociais e em formas de reativar economias cada vez mais em depressão a fim de evitar o crescimento desenfreado do desemprego.
É válido lembrar que este não é o primeiro enfrentamento entre moradores de Gamonal e a prefeitura de Burgos. Em 2005 ocorreram enfrentamentos entre cidadãos e a polícia contra o projeto de construir estacionamentos subterrâneos na avenida Eladio Perlado, uma das principais do bairro. A pressão popular fez a prefeitura retroceder, assim como posterior decisão do Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão.
O projeto foi derrotado uma vez, mas retornou para assombrar os moradores do bairro que, quando do início das obras, se mobilizaram novamente e foram recebidos com violência por parte das forças policiais.
Leia mais: Holanda quer cobrar de presos locais taxa diária de 16 euros
Recentemente o Parlamento Espanhol (ou mais especificamente o PP, que detém maioria) vetou uma iniciativa de proibir o corte de energia de famílias pobres durante o inverno, assim como aprovou diversas iniciativas antipopulares e discute um projeto de lei de "Segurança Nacional" que virtualmente tornaria crime protestos populares e mesmo o questionamento de ações de autoridades (policiais, políticos), impondo pesadas multas e prisão.
Junto a isto, a falta de perspectiva para uma saída da crise que assola a Espanha (e boa parte da Europa), levou a população burgalesa a se revoltar e a se organizar em assembleias populares, buscando uma democracia mais direta e mais conectada a seus interesses.
Leia mais
Os protestos começaram por volta do dia 13 de janeiro com cerca de 200 pessoas, na maioria jovens, e após a repressão o movimento cresceu para mais de 8 mil participando de assembleias populares e de manifestações pelas ruas do bairro. Ao menos 46 pessoas acabaram detidas durante os protestos.
Assim como no Brasil durante os protestos de junho, a repressão policial e a negativa por parte do governo de negociar, resultou apenas no crescimento da insatisfação e do número de pessoas protestando nas ruas.
Em solidariedade com Gamonal, por toda a Espanha se espalharam protestos. Em Madrid centenas de pessoas saíram às ruas e foram violentamente reprimidas pela polícia ao passar em frente à sede local do PP. Novamente, as fontes culpam a polícia pela violência contra manifestantes pacíficos. Ao menos 14 foram detidos.
Agência Efe
Em Gamonal, os próprios moradores retiraram das ruas os pedaços de pedra, um dia depois de conflito com a polícia
Em Valladolid, ao menos 1500 pessoas manifestaram seu apoio aos moradores de Gamonal, e também houve protestos em Logroño, Oviedo, Gijon, Canárias, dentre outras e várias marchas foram convocadas para os próximos dias em mais de 20 cidades.
Em meio a manifestações por toda a Espanha o prefeito de Burgos decidiu paralisar temporariamente as obras, porém a população nas ruas de Burgos agora pede sua demissão.
Fatos marcantes dessa nova onda de protestos é a organização via redes sociais em nível nacional e a auto-organização em assembleias populares sem qualquer ligação com os partidos "da ordem". A Esquerda Unida logo desmarcou-se dos protestos, enquanto os demais partidos sequer se manifestaram. Apesar da paralisação das obras as assembleias continuam como ferramenta de poder popular e tal forma de organização - já adotada durante os protestos dos Indignados em anos anteriores - promete frutificar.
O temor do PP e de outros partidos "institucionais" é o espalhamento mais uma vez do modelo participativo de assembleias populares em um ano-chave em que o parlamento espanhol pode vir a travar frente às pesquisas que apontam a imensa insatisfação da população com os grandes partidos e a migração de seus votos a partidos menores ou mesmo na direção da abstenção.
A imensa repressão, que não é inédita, tem levado a um exacerbamento dos ânimos, e fazendo os protestos crescerem e se espalharem, e talvez explique em parte o recuo do prefeito de Burgos que tem hoje em seu colo uma bomba relógio que pode novamente sacudir todo o país. E uma explosão social neste momento não interessa especialmente ao PP que busca manter sua maioria parlamentar mas enfrenta uma imensa crise de confiança e mesmo um racha interno que pode vir a ser significativo e complicar ainda mais o cenário eleitoral.
Sem comentários:
Enviar um comentário