Fonte: Sul 21
A falta de diálogo e de transparência, o desprezo pelo interesse público, o descaso com a memória e com o patrimônio histórico da cidade, o desrespeito com o meio ambiente, entre outras violações que não condizem com uma sociedade democrática, são as razões que nos levam à escrita desta carta de denúncia.
Há muitos anos a cidade de Porto Alegre está alheia e afastada do cais do porto, o que se dá, principalmente, pela falta de investimentos que incentivem o seu uso. São urgentes, portanto, iniciativas que nos aproximem deste espaço, pela importância simbólica, histórica e cultural que ele representa e pelo acesso que ele dá ao rio, um bem natural tão caro à cidade. Frente às últimas ações da gestão estatal com relação ao assunto, é preciso reafirmar, no entanto, que também é urgente que os projetos que envolvem a tão desejada retomada do espaço sejam concebidos e realizados de forma democrática e horizontal, para que os resultados estejam de acordo com as necessidades reais da cidade.
A participação popular nas decisões que transformam o espaço urbano é um direito garantido em nossa Constituição. Desde o início do processo de remodelação do Cais Mauá, a população de Porto Alegre não teve este direito respeitado. Em 2010 o governo estadual, na gestão de Yeda Crusius, abriu licitação para uma parceria público-privada com a intenção de remodelar o porto, sem realizar qualquer tipo de consulta aos cidadãos. O edital, de caráter excludente, pedia uma garantia financeira de 400 milhões de reais às empresas interessadas. Esta quantia exorbitante já demonstra o modelo de “revitalização” pretendido, com intervenções severas, de grande impacto ambiental e urbano, com viés elitista. O projeto ficou a cargo do consórcio vencedor de capital estrangeiro (que se denominou Porto Cais Mauá do Brasil S.A.). A partir disto o consórcio decidiu, de acordo com seus interesses, quais seriam as diretrizes de uso do espaço (mais uma vez sem participação popular, atitude esperada quando se delega à iniciativa privada as decisões sobre o que é público). Passados quatro anos, nem a garantia financeira – um dos requisitos para participar da licitação – nem o projeto detalhado, que deveria ter sido apresentado até 120 dias após a assinatura do contrato, foram apresentados. Além disso, merece ser investigada a contratação do arquiteto Jaime Lerner, ex-governador do Paraná, condenado pelo Tribunal de Justiça por crimes de corrupção milionária em seu estado.
Os armazéns e demais espaços históricos do Cais Mauá, cuja construção representou um grande esforço da sociedade porto-alegrense nos primeiros anos do século XX, estão em parte condenados à demolição, como no caso do armazém A7, vizinho à Usina do Gasômetro. Em seu lugar está prevista a construção de um shopping center, que além de alterar a silhueta tradicional da cidade, transforma um espaço que deveria ser para todos em um espaço de consumo excludente.
Além do shopping, o esboço do projeto prevê a ocupação do espaço com 4000 vagas de estacionamento para carros, algumas delas exatamente à beira do Guaíba. Também constam três torres de mais de 100 metros de altura, contrariando o Plano Diretor da cidade, que estabelece a altura máxima em 55 metros. Até o momento, não possuem as licenças de impacto ambiental e os estudos de impacto de vizinhança (EIV). A execução das obras nesta etapa, portanto, além de ir contra importantes avanços ambientais já conquistados, é ilegal.
As irregularidades presentes no processo de remodelação do Cais Mauá estão sendo investigadas por órgãos estatais como o Ministério Público (nas promotorias ambiental e do patrimônio público de Porto Alegre) e o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Acreditamos, no entanto, que é direito da população participar e estar ciente dos processos que envolvem os espaços da cidade. Assim, convocamos os leitores a se posicionarem sobre o assunto, porque é sabido que, em nome do interesse público, a pressão popular é uma importante arma.
Nós, enquanto movimentos organizados da sociedade civil, nos opomos frontalmente a esse modelo autoritário de revitalização urbana, com a mesma veemência que combatemos qualquer forma de abandono ou subutilização do nosso Cais Mauá.
Acreditamos que este processo deve considerar as vozes que vêm de diferentes regiões da cidade e deve ser construído sobre princípios como diversidade, inclusão, bem como valorização e respeito ao patrimônio histórico, cultural, social e ambiental. Entendemos que a cidade não pode ser tratada como mercadoria, e sim como espaço compartilhado de interação, apoio mútuo e fortalecimento dos que nela habitam.
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O Ocupa Cais Mauá é um movimento organizado da sociedade civil
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