Publicado em Coletivo A Cidade Que Queremos Porto Alegre
Lucimar F. Siqueira
Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre ; Coletivo A Cidade Que Queremos
Mário L. Lahorgue
Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre; Departamento de Geografia – UFRGS
Tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre o Projeto de Lei Complementar 026/16 que propõe modificar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental – PDDUA (Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999) para viabilizar aimplantação de um loteamento social (para faixa de renda até 6 Salários Mínimos-SM) na zona sul de Porto Alegre.
O referido projeto nos chama atenção por vários aspectos. O primeiro deles é que, logo na “Exposição de Motivos”, o autor do PLCL deixa claro que trata-se de uma ação para atender ao objetivo de uma “empresa urbanizadora”. O autor demonstra, também, ter se acercado de informações sobre o mercado de terras para a faixa de renda até 6 SM, atitude esperada de quem está preocupado com a comercialização dos terrenos. No entanto, o fundamento da sua justificativa, que é o atendimento da Demanda Habitacional Prioritária (DHP), não se sustenta, pois não há contextualização do PLCL ao conjunto de discussões e leis que tratam da Habitação de Interesse Social, onde se insere DHP, menos ainda com o setor da Prefeitura responsável pela questão da moradia. Começa pelo fato do autor sequer ter citado o Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS.
O PLHIS é o documento orientador da política habitacional das cidades brasileiras. Foi instituído a partir da Lei 11.124/05, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Todos os municípios que se credenciaram ao Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, elaboraram seu PLHIS. O documento é constituído por três partes: Metodologia, Diagnóstico e Metas. Consta no PLHIS de Porto Alegre a indicação de que os loteamentos para Demanda Habitacional Prioritária (DHP) deverão estar vinculados a programas oficiais municipal, estadual ou federal (1). Portanto, não se destina à autoconstrução, como justifica o autor do PLCL.
Outro aspecto que consideramos importante é que o autor do PLCL 026/16 deixou de mostrar conhecimento sobre as recentes avaliações realizadas sobre o maior programa de Habitação de Interesse Social do país, o Programa Minha Casa Minha Vida. O fato do projeto em questão na Câmara de Porto Alegre não estar vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida, não deve ser razão para ignorar as avaliações referentes ao programa, pois o “loteamento social” e habitações sociais se inserem nesse contexto.
Um dos aspectos mais criticados nas avaliações do Programa Minha Casa Minha Vida, foi o fato das habitações serem construídas distantes da cidade consolidada, em áreas periféricas e muitas vezes afastadas dos locais de origem dos moradores. Ora, o PLCL 026/16 contraria tão fortemente os critérios de implantação de moradia social bem localizada que chega ao ponto de pressionar a zona rural de Porto Alegre!
De acordo com o documento elaborado pelo Ministério das Cidades “Como produzir moradia bem localizada com os recursos do Programa Minha Casa Minha Vida? Implementando os instrumentos do Estatuto da Cidade”, a localização da Habitação de Interesse Social deve levar em conta a “política urbana, habitacional e fundiária com programas voltados à regularização fundiária e à ocupação de áreas centrais e vazios urbanos” (o documento é de fácil acesso e pode ser encontrado no site do Ministério Público – RS, entre outros endereços na internet). A afirmação anterior reforça que o PLCL está completamente fora das orientações técnicas vigentes no país.
Ainda, o Próprio Plano Diretor de Porto Alegre, em seu Art. 76, § 2º, diz que “a delimitação de áreas destinadas à habitação de Interesse Social em Porto Alegre dar-se-á pela instituição de Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS III) pelo Poder Executivo, considerando o déficit anual de demanda habitacional prioritária e os imóveis subutilizados das AUOPs (Áreas Urbanas de Ocupação Prioritárias)”. Ora, a área em questão no PLC não é uma Área de Ocupação Prioritária, sob nenhum critério. Área de Ocupação Prioritária, lugar adequado para implementação de Programas de Habitação de Interesse Social, conforme o Art. 79 do Plano Diretor, “são os locais da Área de Ocupação Intensiva identificados como imóveis urbanos destinados à ocupação prioritária, visando à adequação de seu aproveitamento e ao cumprimento da função social da propriedade”. Mesmo que transforme em Área de Ocupação Intensiva, não será uma Área de Ocupação Prioritária, portanto, não atenderá a Habitação de Interesse Social de forma adequada.
As áreas das cidades destinadas para HIS, ou seja, para população com renda até 6 Salários Mínimos, chamam-se Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS. Podem ser áreas livres para construção de moradias ou áreas ocupadas por população de baixa renda e que aguardam a regularização ou urbanização. Em levantamentos realizados até novembro de 2016 em Porto Alegre (2) , a equipe do Observatório das Metrópoles – Porto Alegre identificou 324 AEIS. Destas, 52 são áreas não ocupadas que aguardam a implementação de projetos para produção de moradia. Estão entre elas, por exemplo, as áreas localizadas na Vila Cruzeiro, bem localizadas, totalmente integradas à cidade e que deveriam ser usadas para reassentamento de moradores atingidos pelas obras de duplicação da Av. Tronco. Não foram utilizadas para este fim, tanto que mais de 50% dos atingidos já receberam Bônus Moradia e foram afastados da possibilidade de retornar para estes locais quando o projeto habitacional for implementado. Portanto, caso o autor tenha interesse na questão da moradia, sugere-se o diálogo com o departamento que trata da habitação em Porto Alegre – o DEMHAB –, que discuta com o Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação – COMATHAB e, como alternativas de áreas, que proponha a urbanização das AEIS já existentes ou a produção habitacional nas AEIS da Vila Cruzeiro, por exemplo.
Desta forma, considerando as observações anteriores, entendemos que, se o PLCL 026/16 for aprovado, poderá aprofundar os problemas sociais envolvidos com a questão da moradia, pois condiciona à extrema periferização de população de baixa renda. Na forma como está, não promoverá a Habitação de Interesse Social, pois como claramente indica o Plano Diretor de Porto Alegre no Art. 23, deve-se levar em consideração a ocupação e uso do solo urbano bem localizado e a posição relativa aos locais estruturados da cidade, em especial o acesso ao trabalho e aos serviços essenciais.
(1) “Regula a aprovação de loteamentos, pelo Poder Público Municipal, nos padrões que estabelece, exclusivamente em empreendimentos destinados à produção habitacional que atenda à Demanda Habitacional Prioritária (DHP), vinculados a programas oficiais desenvolvidos pelo Poder Público Municipal, Estadual e Federal.” Plano Local de Habitação de Interesse Social. DEMHAB, Porto Alegre-RS, 2009.
(2) Foram consideradas as AEIS do PLCE 005/16, que atualizou as áreas destinadas ao PMCMV. Neste PLCE foram superadas as restrições ambientais existentes no projeto anterior (áreas não comprometidas pela incidência de Restrições Ambientais).
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