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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A cronologia da desdemocratização em Porto Alegre no CMDUA (por Lucimar F. Siqueira)

Fonte: Sul21

Lucimar F. Siqueira (*)
A democracia, já ficou evidenciado, não é algo de muito apreço por parte do atual prefeito de Porto Alegre.  Logo no primeiro ano de mandato o governo municipal já tratou de subtrair a democracia do seu povo, mesmo sabendo que a participação popular é um compromisso assumido na Lei Orgânica Municipal. Aliás, foi direto ao ponto.Um dos primeiros atos do executivo foi a apresentação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica número 09/2017, cujo registro ocorreu em 28 de julho de 2017, na Câmara Municipal de Porto Alegre. O PL altera o caput do art. 101 da Lei Orgânica do Município referente aos conselhos municipais.
O Fórum Municipal dos Conselhos da Cidade (FMCC) denunciou em 30 de agosto de 2017 a proposta de mudança na Lei Orgânica do Município que afeta os conselhos retirando parte do texto que determina “cujas normas gerais são fixadas em Lei Complementar” e incluindo o termo: “no que couber”. O FMCC entende que o ato de modificar a Lei Orgânica poderá retirar a “necessidade de regulamentação por lei complementar e remete os conselhos à lei ordinária, que não exige maioria absoluta para aprovação e sim, quórum simples; e a expressão “no que couber” possibilita ao Executivo definir autoritariamente as competências dos Conselhos.” (ver Carta aberta em defesa do controle social em Porto Alegre)
Antes mesmo de seguir a discussão na Câmara, o prefeito Marchezan Jr. seguiu tensionando e agindo de forma pouco democrática em relação às instituições participativas (instâncias de participação da sociedade civil), como no caso do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA.
A escolha dos novos membros do CMDUA deveria ter acontecido no mês de setembro de 2017, mas o poder público municipal não abriu, na época,o processo eleitoral. Cabe lembrar que é neste conselho que tramitam processos importantes relacionados à produção da cidade, tais como as obras de mobilidade urbana, do Cais Mauá, Orla, projetos apresentados pelas comunidades através das propostas de estudos ou projetos urbanos prioritários, etc (ver Regimento Interno). É o espaço onde os representantes da sociedade, através dos conselheiros e suplentes, devem discutir o planejamento da cidade, onde ela pode se expandir, definir tipos de ocupação, observar as dinâmicas sociais, econômicas, culturais, ambientais da cidade e traçar estratégias de incidência, sempre tomando como referência o Plano Diretor. No entanto, somente em 27 de dezembro foi publicado o edital de Convocação para Eleição do Biênio 2018-2019.  O processo eleitoral iniciou, portanto, em 27 de dezembro de 2017 e a última votação nas regiões ocorreu no dia 23 de abril de 2018. O poder público demorou mais 22 dias para que o resultado fosse publicado no Diário Oficial de Porto Alegre , em 27 de maio de 2018.
A posse foi marcada para o dia 6 de junho de 2018, mas foi cancelada sem qualquer justificativa. No período seguinte, após conhecer o resultado das eleições e sem ter dado posse aos novos conselheiros, o executivo aproveitou para publicar em edição extra do Diário Oficial , no dia 15 de junho de 2018,  o Decreto Nº 20.013 que “Determina a organização e a estrutura do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e revoga o Decreto nº  16.836, de 25 de outubro de 2010.”. Ou seja, oito anos após a edição do último regimento interno do CMDUA o Prefeito Marchezan Jr. decreta mudanças no funcionamento do Conselho sem sequer conhecer o rosto dos novos conselheiros, muito menos discutir coletivamente as modificações.  Cabe destacar que 1/3 da composição do Conselho é formada por representantes do governo – um do Estado, um da União e sete do Município – estes últimos são servidores indicados pelo próprio governo municipal e nem eles foram considerados. Ora, não é o espaço do CMDUA o lugar consagrado para o debate sobre o próprio funcionamento do Conselho? Não é o conselho que deve fazer propostas e apresentar para o governo?
Estão entre as mudanças apresentadas pelo executivo o horário das reuniões que passaria das 18 horas para às 14 horas. Apenas esta mudança já é suficiente para inviabilizar a participação de vários conselheiros, inclusive criando constrangimento aos próprios representantes do município com choque de agendas entre o desempenho das funções administrativas (reuniões, audiências com outras instituições) e as reuniões do CMDUA (fato registrado na reunião de 13/08/2018, 16h).
Foi somente em 25 de junho de 2018 que ocorreu a reunião de posse e início dos trabalhos da nova gestão 2018-2019, sem cerimônia de posse e apresentação dos novos conselheiros à sociedade como ocorreu em eleições anteriores. As pautas  caíram no Conselho sem que os conselheiros pudessem discutir a forma de definição das mesmas, ponto este importante pois, segundo as atas de reuniões dos períodos anteriores a esta gestão, as pautas quase que exclusivamente tratam de processos oriundos do setor empresarial e não dos conselheiros que representam as oito regiões de planejamento da cidade .
Desde a primeira reunião um grupo de conselheiros vem contestando a forma como foi apresentado e o conteúdo do decreto tomando como referência o significado das instituições participativas na relação sociedade civil-Estado e as consequências práticas das mudanças impostas pelo governo através do decreto. A insistência do governo em levar adiante o funcionamento do CMDUA com referência no decreto, levou o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul responder a uma Ação Civil Pública através de liminar publicada em 10 de agosto de 2018, determinando o imediato retorno aos horários de reuniões às 18h, além de outras considerações (Para acessar o original, informando 0000576412353)
De qualquer forma, o que estamos vivenciando em Porto Alegre não é de surpreender, pois o próprio prefeito tornou pública, em 27 de novembro de 2017a seguinte declaração:  “Não será ninguém mais do que a elite da comunicação, a elite empresarial e a elite política que farão as reformas tão necessárias. Delegar isso ao ‘seu João’ e à ‘Dona Maria’ é irresponsabilidade”. Esqueceu-se o senhor prefeito que somos todos João e Maria.
(*) Geógrafa, Pesquisadora no Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles, doutoranda PROPUR/UFRGS. Publicado originalmente no Coletivo Cidade que Queremos.

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